Quando estava na USP, uma das primeiras coisas que aprendi em sociologia é que mudar a mentalidade de uma sociedade é das coisas mais complexas de se conseguir e leva algum tempo, leva bastante tempo. Da minha observação, leva mesmo muito tempo.
Já em Lisboa, na Universidade Nova, ainda em sociologia, li o livro da Naomi Wolf “O mito da beleza – como as imagens da beleza são usadas contra as mulheres”. O livro foi publicado em 1990. Uma leitura que recomendo porque ainda hoje o tema é bastante atual.
Tenho observado o que tem saído nas redes sociais e na media digital sobre o aniversário dos 62 anos da Madonna e os 78 do Mick Jagger e devo vos dizer que é muito interessante ver que a Madonna, que por sinal continua igual a ela mesma, mas que está muito bonita, é amada ou odiada.
O Mick Jagger, tal como outros homens famosos, é elogiado pela forma como se mantém aos 78 anos e até é referido como modelo de como bem envelhecer, já que está mais saudável e cheio de energia.
No mínimo curioso. Quando em 1994 escrevi a minha tese de mestrado na área da sociologia do gênero, este foi um dos temas que foquei, a forma como mulheres e homens valorizam a beleza feminina e muitas vezes são as próprias mulheres a apontarem o dedo. Sororidade, parece-me que é o que falta.
Outro dia andava na rua e vi este escrito “contra o vosso machismo, a nossa sororidade”. Quem lê parece que é de uma mulher a falar para um homem, mas bem pode ser de uma mulher para outra.
Sororidade é um termo e conceito que se refere ao sentimento de “bonding” que é suposto haver entre as mulheres. Será o sentimento que une uma mulher à outra, que cria entre as mulheres este sentimento de cumplicidade. Um conceito muito em voga hoje em dia. De tal forma que já se fala em sororidade masculina. Enfim.
O que gostava de partilhar convosco é esta espécie de cristalização daquilo que é a forma como se deve envelhecer especialmente aplicada às mulheres.
EmmaThompson tem sido um bom exemplo de rebeldia no envelhecimento. Uma mulher belíssima, com um sentido de humor muito próprio e que tem vindo a tirar proveito do facto de ser uma pessoa mediática para colocar alguns temas na agenda. Aos 62 anos resolveu filmar uma cena de nu no filme “Good Luck To You, Leo Grande”.
A atriz conta que estar nua em frente ao espelho foi sempre um momento de autojulgamento. Pois, que novidade. Na entrevista que deu a 22 de janeiro no SundanceFilm Festival, onde o filme foi exibido, ela falou exatamente sobre a forma como a beleza feminina ainda é vista e, vejam só, não muda muito daquilo que é escrito por Naomi em 1990: “Nada mudou nas terríveis exigências feitas às mulheres no mundo real, mas também na atuação. Essa coisa de ter que ser magra ainda é a mesma de sempre, e na verdade, de certa forma, acho que está pior agora.” (https://cnalifestyle.channelnewsasia.com/women/emma-thompson-nude-scene-film-300076)
Então, afinal tanta modernidade, tanta rotura com os grilhões do passado, tanta abertura para cada um assumir a sua identidade e ser quem quer mesmo ser e estamos na mesma!!?? Ter um corpo à la Madonna ou Jlo pode ser politicamente incorreto. Mostrar o corpo real da mulher madura é antiestético.
Ainda se valoriza o envelhecer masculino e tornamo-nos altamente picuinhas, pouco solidárias e quase invejosas quando o tema é o envelhecimento feminino. Voto contra! Voto claramente contra!
Com sororidade em sem ela, e totalmente em consonância com o que tenho vindo a partilhar nesta coluna, se há coisa que a maturidade nos dá é liberdade, assim a nossa cabeça nos permita. Sem julgar se o que é melhor é uma Emma Thompson ou uma Madonna ou uma Jlo, sou claramente a favor de assumirmos os nossos corpos. É a melhor forma de sermos felizes.
Eu se pudesse escolher queria o da Jlo, mas enfim. O que sei é que quanto mais nos trabalhamos por dentro mais belas e sensuais estamos por fora. E se todas pudéssemos contribuir para mudar mentalidades ainda melhor. Por isso, vamos lá dar um espaço à sororidade, sem exageros que é para não cairmos no extremismo, mas vamos nos juntar e trazer o sexo oposto junto que eles são a outra metade desta laranja que é a humanidade.
Colunista:
Ana João Sepulveda
Expert em Economia da Longevidade e em Envelhecimento Sustentado
Presidente da Associação Age Friendly Portugal e Embaixadora da rede Aging 2.0
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